domingo, 18 de janeiro de 2015

Belém: os desafios e potenciais dos informais


Belém: os desafios e potenciais dos informais (Foto: Mauro Ângelo)
De marreteiros a camelôs: hoje, a classe de trabalhadores informais se identifica como microempreendedores individuais. Mas mesmo com a mudança de nome, os trabalhadores continuam a ser criminalizados e perderam progressivamente espaço e fregueses.
É o que mostram os resultados da tese “Nova informalidade e reprodução social entre os trabalhadores autônomos do Centro Comercial de Belém’’, recentemente concluída pelo doutor em sociologia do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (PPGCS-UFPA) Válber de Almeida Pires.
Professor universitário, Pires deu largada às suas pesquisas sobre a informalidade em Belém ainda em 2003, quando se graduava em Ciências Sociais pela UFPA. Com elas seguiu também quando se fez mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA).
Nesta entrevista cedida ao DIÁRIO através das repórteres Carolina Menezes e Renata Paes, o sociólogo é taxativo: apesar do cerco ao mercado, hoje não há mais possibilidade de se vencer a informalidade em Belém. Confira:
P: É possível resolver a situação do trabalho informal na capital? 
R: Eu apliquei a teoria da nova informalidade para analisar o contexto da informalidade de subsistência aqui em Belém. O que eu queria comprovar é que essa informalidade no centro comercial de Belém é uma nova informalidade. Ela é um produto da globalização e não pode mais ser resolvida. Não pode mais ser superada. 
P: O que comprova que esta realidade não é mais superável?
R: Evidentemente, o crescimento do número de pessoas nessa atividade. Não é apenas a questão do mercado em si. Existem muitas pessoas qualificadas para exercer. Cerca de 40% têm o ensino médio, e isso vem crescendo até com pessoas de ensino superior, que estão cursando. Da segunda metade dos anos 1980 até o início dos anos 1990 houve o crescimento de 94% do número de pessoas nessa atividade. Ou seja, quase 100%. De 1991 a 1997, cresce 54%. De 1997 a 2006, cresce 59% também. Se pegar de 1991 a 2007, nós teremos um crescimento e 54% de trabalhadores nesta atividade. Ou seja, houve um inchaço muito grande, a ponto de, em 2007, um dos jornais da cidade publicar uma matéria de capa, dizendo que não existe nem mais vaga de camelô em Belém, porque todas as vias do centro comercial tinham sido tomadas. 
P: Você disse que a atividade não vai acabar. O poder público entende isso ou ainda luta por esse fim?
R: Na informalidade clássica a posição do estado era de enfrentamento, superação. Nessa nova informalidade, a posição do estado passa a ser de qualificação da informalidade. São desenvolvidas políticas voltadas para atribuir o mínimo de dignidade a esses trabalhadores. Aqui em Belém isto está engatinhando. A postura da prefeitura não é tanto de qualificar esses trabalhadores. Quem tem desenvolvido mais essa postura em Belém é o Sebrae e os próprios sindicatos e associações desses trabalhadores. 
P: Há uma expectativa de sair da informalidade? 
R: Nem tanto. Para eles, o mercado formal, ou pelo menos as vagas, que são destinadas as pessoas com as qualificações que eles possuem, no mercado formal, não vale a pena. Essas vagas são de baixa remuneração, tem que trabalhar longas jornadas de trabalho, muitas vezes trabalham além da jornada que foram contratados, e não recebem, inclusive, hora extra. São mal tratados, humilhados por seus superiores. A imagem que eles possuem do mercado de trabalho formal é muito negativa. Isso é quase unanimidade entre eles. A imagem que eles possuem da atividade informal, dessa atividade autoempreendedora, é mais positiva. 
P: O Espaço da Palmeira está sucateado por que a prefeitura o abandonou, ou por que os trabalhadores não conseguiram se encaixar ali?
R: Por conta de vários aspectos. O próprio material com que foi feito o espaço ali é um material de terceira. A estrutura também não está adequada para aquela atividade. O modo como o espaço foi estruturado, também não se encaixa, não tem o perfil para acolher os trabalhadores. Não há atrativos para circulação ali, e a maior parte dos trabalhadores que foram remanejados pra lá faliu... São aspectos que explicam o fracasso do espaço. 
P: Seria possível para a Prefeitura de Belém limpar o Centro Comercial? É uma perspectiva?
R: É uma questão de poder e o poder pode tudo. É uma questão social. Não consegue se resolver através da força. Se retirados, eles vão persistir e vão continuar a ocupar esses espaços de uma forma ou de outra. Aqui em Belém a prefeitura não tem desenvolvido uma capacitação desses trabalhadores. O fundo Ver-o-Sol foi criado com essa expectativa, na época do [ex-prefeito de Belém] Edmilson Rodrigues, para oferecer cursos.Mas está falido. 
P: Qual a origem social desses trabalhadores? 
R: Todos eles basicamente, quase 100%, são oriundos de classes sociais mais baixas da sociedade. Os pais já eram autônomos na maior parte. Há todo uma cultura, uma educação enraizada na personalidade desses trabalhadores. Eles não foram só educados numa perspectiva mais racional mas numa emocional. Mesmo com cursos superiores, você pode perguntar para eles, se querem sair da informalidade. Eles dizem pode ser, mas querem um emprego que eu possa trabalhar no máximo seis horas por dia, ‘porque no restante, quero me dedicar para esta atividade’. 
P: Pelo que esses profissionais mais lutam?R: São três aspectos que eles estabelecem nessa luta. Luta por direitos. Ou seja, criar um estatuto jurídico que lhes forneça segurança jurídica, lhes dê garantia dos direitos. Segundo, por espaço. Eles não querem ficar na rua simplesmente. Eles querem um espaço que possam desenvolver suas atividades, que possam vender. Não qualquer espaço que a prefeitura tem oferecido para eles. O problema deles não é sair das vias públicas, mas para onde serão levados. O terceiro aspecto é uma luta por reconhecimento social. Essa luta desemborca hoje no abandono de uma identidade negativa, que é a identidade camelô e a adesão de identidade positiva de um micro empreendedor individual, como eles se apresentam na atualidade. 
P: A questão de previdência, aposentadoria... não é algo que preocupe esses trabalhadores, a ponto de largarem a informalidade?
R: Não. Nem tanto. Para a maioria isso não preocupa, porque outro aspecto que eu descobri nas minhas pesquisas de doutorado é que eles possuem uma rede chamada de capital social privado. Esses trabalhadores possuem uma proteção próxima. Ou uma rede de relacionamentos familiares, que garantem para eles uma certa proteção social quando adoecem, envelhecem. Isso que eu chamo de capital social primário. Alguns pagam previdência privada, muitos estão ali pagando a previdência através da adesão de adesão do sistema de pessoa jurídica ou micro empreendedor individual.
P: Há preconceito em torno da categoria?
R: O que foi de mais interessante que eu observei é que existe um tipo de violência simbólica contra esses trabalhadores. O discurso é voltado para violentar, para negar a identidade social desses trabalhadores. A própria sociedade admite contra eles as perseguições, a ausência de políticas públicas voltadas para resolver o problema. A única política que existe para esses trabalhadores é a política policial. A política repressiva. E o discurso negativo acaba criando o caminho para essa violência. 
P: Quantos micro empreendedores individuas existem em Belém?
R: Deve ter mais de 10 mil. São dados do próprio Dieese. Dez mil trabalhando diretamente e mais de 10 mil trabalhando indiretamente ou com ajudante no suporte. Sabemos que no Centro Comercial de Belém tem entre 3 mil e 3.500. No contexto geral da cidade, fica difícil calcular porque são várias atividades. Tem costureiros, artesãos...
P: Você teria uma previsão do número de trabalhadores para os próximos cinco anos?
R: Permanece como está. Se a situação econômica do país não se deteriorar, tende a permanecer como está. Belém tem um índice de cerca de 58% de trabalhadores informais. No momento mais crítico, que foi início dos anos 2000, a informalidade chegou a 62%, a economia da cidade cresceu em mais de 10%. O problema que esse crescimento econômico não tem repercutido na redução da informalidade e sim do desemprego. Ele permanece abaixo dos 10%.
(Diário do Pará) 
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