domingo, 25 de janeiro de 2015

Consumo de crack se alastra por Belém

Pela manhã, ele sobe nos ônibus de Belém. O discurso ensaiado já é conhecido: “Eu poderia estar roubando, matando. Mas estou aqui vendendo estes bombons. Um por R$ 0,70 e dois por R$ 1,00’’. De aparência franzina, estatura mediana, branco, cabelo curto, sorriso tímido e olhar desconfiado, J.S, 19 anos, se dedica todo o dia ao trabalho. Quando o sol começa a se pôr, é preciso voltar para casa com dinheiro em mãos. A esposa o aguarda. Cerca de R$ 150 é o saldo final de mais um dia árduo de trabalho.
Pela avenida Presidente Vargas, em direção à rua Riachuelo com a travessa 1° de Março, o jovem caminha para casa onde mora, como ele mesmo diz, ‘desde que se entende por gente’. É hora de descansar, relaxar e abandonar por algumas horas a função de vendedor e se tornar comprador. Dos R$ 150 que conseguiu com a venda de bombons, mais de R$ 100 são gastos com óxi e crack.
A cama de J.S. é a calçada de um teatro. O teto é o céu limpo ou chuvoso de Belém. Entre um e outro vizinho sentado ou jogado no chão, ele passa a madrugada consumindo entorpecentes, na espera de mais um dia começar. “De cinco irmãos, eu sou o do meio. Duas mulheres e três homens”, diz. E quanto aos pais? “Morreram tudo”, responde secamente.
J.S. quer mudar de vida. Pede ajuda. Precisa se libertar do vício que o consome. É proposto um tratamento em uma clínica de reabilitação. Tem desejo de ir. “Só vou aqui avisar minha mulher”. Sentada a alguns metros de distância, ela o vê se aproximar. J.S. senta. O casal se olha. Conversam por minutos. Enfim, vem a decisão. Ele pega o cachimbo, acende e volta a fumar outra vez.
LAÇOS
Enquanto o efeito do crack começa no corpo de J.S., a maconha e a cola já tiraram os sentidos de J.M., 32 anos. Sentado em frente ao canal da rua General Henrique Gurjão, entre a travessa Piedade e a rua Gaspar Viana, com os joelhos ralados, roupa suja, mau cheiro, pupilas dilatadas e olhar perdido, J. dá gargalhadas sem motivo aparente.
Qualquer pergunta arranca um sorriso. Mesmo sob efeito de drogas, J. se esforça para se lembrar da infância e dos familiares. “Quando eu ia para a escola, fugia para fumar maconha e eu não aprendi nada.” São dez anos morando no local. O único momento que se encontra sem efeito dos entorpecentes é durante o café da manhã ou enquanto almoça, depois de pedir comida em casas vizinhas.
Segundo ele, o pai foi assassinado e a mãe é moradora de rua e usuária de drogas. Diz que tem um irmão na igreja e uma irmã que mora no exterior. Alucinado e com frases desconexas, J. tenta relatar um pouco da própria vida. “Eu morava atrás do Mangueirão. Invadiram nossa casa. A mãe mora na rua, na Presidente Vargas. Meu irmão pastor mora no Tapanã. A igreja dele é Deus é Amor. Meu pai era ex-policial. Bebia muito. Mataram ele. Minha irmã tá na França. Um tio levou ela pra lá’’.
J. para de achar graça ao pensar no que gostaria de um dia poder realizar e ainda não conseguiu. “Esse meu irmão que é pastor roubava. Hoje ele tem mulher. A mulher dele trabalha, ganha bem. Só eu que não tenho nada. Eu queria que ele ajudasse a minha mãe. Eu queria uma família.”
Amiga de J., S.R., 39 anos, já morou nas proximidades do Ver-o-Peso, São Brás, Entroncamento. Soma 30 anos de vício. O barracão improvisado ao lado dos colegas tem até número: 229. R. foi presa duas vezes. Nunca teve esposo nem filhos. A família está distante. Nem faz questão de retornar para eles. A dependência das drogas e da rua é mais forte.
No barracão coberto por uma folha de madeira escorado na parede, há um colchão de casal e uma sacola de roupas. “Eu durmo aqui mesmo. Tem até como trazer outras pessoas. Tenho um rádio e coloco logo uma música romântica”, brinca com a situação.
No fundo, ela sabe os perigos de morar nas ruas. “Até que a polícia não veio mais por aqui. Mas eles vinham, batiam em todo mundo, derrubavam nossas coisas, quebravam tudo”, conta.
(Diário do Pará)
Share:

Related Posts:

0 comentários:

Postar um comentário

Blogger templates